Martelo de Borracha no RH Celeste
Martelo de borracha,
bigorna zen,
salta do bolso de um palhaço aposentado
e sobe num foguete de tapioca.
Lá em cima —
onde os satélites dançam lambada
com balões de festa infantil —
ele prega com pregos de sonho
em nuvens de algodão doce.
“Você será equilibrista de pensamentos!”
grita ele para um raio tímido.
“E você, garçom de luz solar molhada!”
diz, martelando forte, sem fazer barulho,
porque barulho não combina com sonho.
Cada martelada é um contrato assinado
com cheiro de marshmallow e promessa de riso.
As nuvens suspiram,
a Via Láctea toma nota em papel de bala,
e o céu ganha um RH psicodélico.
No fim do expediente,
o martelo guarda sua gravata de arco-íris,
toma um café com poeira estelar
e dorme num envelope de brisa.
Amanhã tem mais vaga no firmamento.
Aquele que escutou sem saber
Ele era só mais um
entre tantos
uma mente acordando no corpo cansado
um gesto automático
para desligar o despertador
mas naquela manhã
algo permaneceu no ar
um silêncio diferente
entre os sons da cidade
como se a respiração do mundo
tivesse mudado de ritmo
ele não sabia por quê
mas o café não tinha gosto
e o espelho
devolveu um olhar
que ele nunca tinha visto tão fundo
não era tristeza
nem alegria
era como se algo dentro dele
tivesse aberto os olhos
o eco
chegara
não como palavra
mas como vibração leve
plantada entre duas batidas do coração
ao longo do dia
percebeu pequenas coisas:
um pensamento que não era seu
mas o compreendia
uma memória que parecia vir
de uma vida não vivida
começou a ouvir sons
onde ninguém falava
sentiu saudades de algo
que não sabia nomear
à noite,
olhou o céu como sempre
mas desta vez
soube que alguém, em algum lugar
estava também olhando
e sentindo o mesmo
o idioma do entre
o idioma sem margens
começava a germinar dentro dele
e mesmo que ele não soubesse
estava sendo chamado
para lembrar
sem entender
e seguir
sem saber onde
porque às vezes
a primeira resposta do universo
é um silêncio que muda tudo.
;
;
?
Insônia: Boca da Noite
Que insônia. Não essa insônia de quem não consegue dormir, mas a outra, a que escancara a boca da noite e te engole. Uma boca que não mastiga, apenas suga, e te deixa ali, suspenso no vazio. Os silêncios, ah, esses silêncios de estilhaçar cristais. Cada um deles uma pequena morte, um ruído interno que só a alma ouve, e que dói. Dói como se tentáculos, invisíveis, mas palpáveis, se apertassem na garganta, tirando-me não só a calma, mas a alma. E a gente se pergunta: que alma é essa que se deixa roubar assim, tão fácil?
Lá não-sei-onde, um badalar. Não sei quantas horas. Que importância tem o número, quando o tempo não passa, ele se dilui? A manhã se avizinha, mas não é a manhã de um novo dia. É uma manhã doentia, grávida de sol. Que sol? O sol que revela as imperfeições, que ilumina o que a escuridão da noite, em sua misericórdia, escondeu. Essa gravidez me assombra. O que nascerá dessa manhã tão pesada?
Não é o tempo que não passa, são os cães que não ladram. Ouço o silêncio deles, mais alto que qualquer latido. As corujas, não piam. E o aquário, em sua quietude, não borbulha. Tudo é silêncio, uma conspiração contra o som, contra a vida. E os scotchs? Ah, esses scotchs, que antes eram um porto, um refúgio. Definitivamente não são mais os mesmos. Perderam o sabor, ou fui eu que perdi a capacidade de saboreá-los? Essa perplexidade me consome. O que muda, afinal, é o mundo lá fora, ou o mundo aqui dentro, que se desfaz em partículas que não consigo agarrar?
A cama, imensa, me chama. Mas eu a abandono. Sua ausência, estranhamente, me reclama. Há uma ironia nisso, uma crueldade sutil. Enquanto a busca solitária da saciedade ainda se refestela em mim, em gotas cristalinas que despencam do chuveiro reparador. Reparador de quê? De uma alma que se perdeu nos labirintos da noite? De um eu que se desfez em pedaços miúdos? Essa saciedade que não sacia, que apenas prolonga a agonia, como uma promessa vã. E a gente se pergunta: o que é que a gente busca, afinal? E por que o que a gente encontra é sempre tão... vazio?
FLAGRADOS NO SILÊNCIO
havia ruído no mundo,
mas entre nós —
uma pausa profunda,
feito respiração suspensa
antes do beijo.
não era ausência de som,
era presença demais:
olhares falavam
o que nenhuma palavra
teria coragem de dizer.
o silêncio nos vestia
como se fosse brisa,
como se fosse véu.
e ali, tão quietos,
dizíamos tudo
sem mexer os lábios.
a cidade passava ao fundo,
com seus motores e seus dias,
mas estávamos noutro plano:
feito música sem melodia,
feito carta sem remetente,
feito tempo sem contagem.
e quando enfim
alguém abriu a porta,
quando o mundo voltou
a nos chamar pelo nome —
era tarde.
já tínhamos sido flagrados no silêncio.
já tínhamos deixado
vestígios de eternidade
no espaço entre dois corações
que bateram calados,
juntos.
Quando Alguém Ouve
Muito tempo depois,
quando o tempo já não contava,
alguém — que não era inteiro,
que já tinha se quebrado demais —
parou.
Não por escolha,
mas por exaustão.
E no espaço entre um suspiro e o esquecimento,
ouviu algo.
Não era som,
mas ausência que vibrava.
Não era voz,
mas um estremecer de dentro.
Era o grito —
aquele antigo, esquecido, sem rosto,
que nunca encontrara seu próprio eco.
Mas agora, enfim,
não precisava mais ser ecoado.
A escuta bastava.
A presença bastava.
E o grito se dissolveu,
não porque foi respondido,
mas porque foi acolhido.
Ali, no silêncio de alguém partido,
ele finalmente pôde descansar.
E no lugar onde gritou por eras,
brotou uma água quieta,
onde a dor se deita,
e o mundo se vê… de novo.
A Infância que Não Volta
Eu queria voltar a ser criança,
mas não posso.
Há um tempo que não se refaz,
um chão que não aceita os mesmos passos.
A criança em mim ainda mora
num canto escondido,
mas as portas estão cobertas de poeira.
Já não sei o caminho exato,
nem o nome dos sonhos
que guardei nas primeiras manhãs.
Queria o riso fácil,
a confiança em promessas simples,
o colo sem perguntas.
Mas carrego agora
outras vozes,
outras esperas,
outras dores que ninguém me ensinou a nomear.
Crescer foi um espanto que ficou.
Não há retorno.
Só essa saudade muda
de um tempo em que bastava fechar os olhos
para estar inteiro.
Sou um menino...
Sou um menino, cheio de sonhos e de vida
Com um coração que pula, com uma alma que brilha
Eu corro, eu brinco, eu rio, eu vivo
E sinto o mundo ao meu redor, com todos os meus sentidos
Sou um menino, com uma imaginação sem limites
Eu crio mundos, eu crio histórias, eu crio amigos
Eu sou um aventureiro, um explorador, um descobridor
E estou sempre pronto para o próximo desafio
Sou um menino, com um sorriso no rosto
Eu sou feliz, eu sou livre, eu sou eu mesmo
Eu não tenho medo de ser diferente
E eu sei que posso ser quem eu quiser ser
Sou um menino, e isso é tudo que eu preciso
Para ser feliz, para ser eu mesmo
Eu sou um menino, e eu estou vivo
E eu vou aproveitar cada momento, cada segundo.
Essa poesia é uma reflexão sobre a infância e a liberdade de ser um menino, com uma imaginação sem limites e um coração cheio de sonhos e de vida. É um convite para que as pessoas se lembrem da alegria e da liberdade da infância.
A Cadeira Vazia
o balanço lento na varanda um ritmo fantasma no ar parado a marca tênue no chão de madeira onde os pés costumavam pousar
o tricô inacabado no colo agulhas inertes, fios suspensos a leitura interrompida na página dobrada ao acaso
e nem havia vento para mover as cortinas da sala apenas a quietude densa onde a voz ecoava ausente
a lembrança do riso um som distante, quase esquecido o calor do corpo ausente moldando o vazio do assento
o olhar vago perdido na paisagem buscando uma silhueta familiar a esperança teimosa de um retorno improvável
e a aceitação dolorosa de que alguns espaços guardam para sempre a forma da saudade
Agora usa essa frase como tema: onde a voz ecoava ausente
A PIOR PARTE DO DOMINGO
não era sobre lavar cachorro
nem sobre o cheiro do xampu canino
nem sobre o pelo grudando na camiseta velha
era sobre dividir
a pia
as tarefas
o silêncio das manhãs arrastadas
sobre sentar no sofá ainda molhado
e rir de como tudo era ridículo
e bonito
amar era isso:
dividir o que ninguém posta foto
abrir o saco de lixo
sem que isso vire motivo de conversa
mas sonhei alto demais
como quem deseja um domingo com sol
numa semana de enchentes
e percebi tarde
que sonhar sozinho
cansa mais
do que lavar cachorro molhado.
Mãos: Parágrafos de Desejo
As mãos. Sempre as mãos. Não meras apêndices, mas ferramentas, sim, e fartas de desejos. Elas têm uma inteligência própria, um saber antigo que se recusa à lógica. Encaixam-se. Que verbo exato. Não "procuram encaixe", nem "tentam encaixar", mas simplesmente se encaixam. Em todas as suas reentrâncias, nos ângulos que a luz mal ousa tocar, nas medidas que a balança não pesa. Há uma precisão quase cruel nisso, uma certeza que assusta. Elas não tateiam; elas percorrem. Cada poro, cada pelo, cada sonho – e a gente se pergunta que sonhos são esses que se deixam percorrer assim, tão à vontade. E o mais assombroso: o interior das suas ranhuras. Que ranhuras são essas? As da pele, as da alma, as do tempo que se acumula?
Com essas ferramentas, sim, as mãos, eu me preparo. Um ritual. E me pego abestalhado pela descoberta. É sempre uma descoberta, não é? Mesmo quando se repete. A beleza, ela se revela em camadas, como as páginas de um livro que nunca se esgota. A beleza, que não é só o que se vê, mas o que se sente, o que se pressente. E a intenção, que surge quase sem querer: invadir-lhe os parágrafos. Não as páginas, não os capítulos, mas os parágrafos. Pequenos blocos de sentido, de vida. Eles, os parágrafos, me guiarão. Por onde? Pelo interior de novas palavras. E de palavras nascem frases, e as frases, elas não apenas contam, elas denunciam dicionários. Dicionários inteiros, com seus significados fechados, suas definições estreitas. As palavras, aqui, se libertam. E a gente se pergunta: que verdades serão essas que esses parágrafos, essas frases, esses dicionários denunciarão? E o que faremos com elas, uma vez que se revelem?
O Vazio que Não se Preenche
Nenhum recado. Nada.
Nem a delicadeza de um e-mail, essa modernidade tão pálida. Nem a promessa gasta de uma carta, dobrada e guardada no tempo. Ou a urgência íntima de um bilhete, rabiscado na pressa que o amor, às vezes, permite. Nada que preencha os espaços. Esses abismos minúsculos entre um ponto e outro da existência. Com letras, essa invenção tão humana e tão insuficiente. Ou palavras, essas criaturas que nascem e morrem no ar, sem jamais tocar o centro de nada. Ou mesmo os sinais de fumaça, essa ancestralidade que se ergue e se desfaz no vento. Ou o ritmo batendo de tambores, esse chamado primitivo que se perde na indiferença do mundo. Nem os repiques agudos de tarol, ou a caixa-de-guerra, essa ressonância que anuncia combates ou desfiles. Nada. Nada mesmo.
Nada que fizesse lembrar. As tantas promessas. Aquelas que surpreendiam pela ousadia, pela nudez de um futuro que se oferecia sem pudor. Promessas que eram, em si mesmas, um modo de ser, um modo de existir além do agora. E agora, o vazio, essa certeza insuportável de que nada se anuncia.
Que viesse ao menos. Ah, o mínimo, o ínfimo. Um mísero pombo-correio, esse arauto de outras eras, trazendo em sua pata um fio de esperança. Com uma pequena mensagem, ainda que passageira como a nuvem que se desmancha no céu. Ainda que ilusória, como a miragem no deserto da alma. Ainda que transitória, como a vida que flui e não se agarra. Uma única palavra. Apenas uma. Que externasse a vontade. Não a minha, mas a de outro, a de um universo paralelo que se dignasse a se manifestar. A vontade de mostrar a mim. A mim, esse ser que se debate em sua própria incompreensão. Que eu poderia ter esperança.
Porque todos aqueles momentos. Os passados, sim. E os esquecidos, esses que se desfazem na névoa da memória. Os amarelecidos, com o tempo que os mancha e os desfigura. Esses poderiam. Poderiam ser revividos. Não como repetição, mas como ressurgimento. Uma ressurreição sutil que se daria no mais profundo do ser, onde a ausência se torna a forma mais aguda de presença. Mas nada veio. E no não-vir, o que se fez, afinal, foi o silêncio. Um silêncio que, paradoxalmente, dizia tudo sobre a irreversibilidade do que não volta.
GRANDES NAVEGAÇÕES
surpreendi-me ao notar que a natureza
reagia à diferença.
surpreendi-me sem necessidade.
sequer ousei tentar compreender
pois considerava tudo pessoal.
por isso envolvi-me em tuas definições.
usei códigos que não ousara desvendar
ou mesmo inventar.
surpreendi-me ao olhar ao meu redor
ao olhar para dentro
ao descobrir os movimentos
que me levaram até você.
a gente sempre sabe dos efeitos
e dos defeitos dos outros
mas se surpreende com os próprios.
com os que
principalmente
apontam para os desdobramentos do ego.
por isso a surpresa ao perceber
que eu não vivo sem você
ALI
revi você
pensei ter visto o sol em teu corpo
resvalando na minha inquietude,
ao perceber que, por todo o tempo,
era noite
porque não estavas por perto —
e eu a quisera
para o aperto
daquele abraço inédito.
trouxeste contigo
o renascer desnudo
da mais brilhante constelação,
em teus pontos de sardas,
dentes de branco
e cabelos cor de palha.
tuas curvas demonstram
a preciosa habilidade
de a natureza refazer-se
em arte
e apresentar-se
em toda parte —
até o ponto de deixar um coração
repleto de felicidade
por perceber que, por algum tempo,
estou seguro.
porque, com você por perto,
o dia nunca é escuro
ali na vila.
AINDA ALI
o sol ainda toca as janelas da vila,
mas já não resvala em mim
como antes.
falta aquele calor
que vinha dos teus passos,
aquela luz sem sombra
que teus olhos traziam
mesmo nos dias nublados.
as sardas sumiram do céu,
os cabelos cor de palha
viraram brisa em lembrança,
e o abraço inédito
segue inédito —
pendurado no varal
das possibilidades que o tempo levou.
por aqui, tudo parece igual:
os muros, os cheiros,
o barulho do portão antigo...
só eu é que mudei —
porque você,
você não está mais ali.
e desde então,
a vila também escureceu um pouco.
não toda,
só o pedaço
onde costumava amanhecer
quando você sorria.
RENASCER ALI
Não voltou,
mas algo em mim permaneceu:
um brilho manso,
quase silêncio,
que aprendi a reconhecer
como meu.
as ruas da vila
seguem com seus ventos antigos,
mas agora sei caminhar nelas
sem procurar teus passos.
sei encontrar sentido
nos varais de roupa,
nos cachorros que dormem ao sol,
no assovio da tarde
que não chama ninguém.
o abraço inédito
deixou de ser espera
e virou abrigo
dentro de mim mesmo.
às vezes, ainda penso
na curva do teu sorriso,
na cor da tua ausência,
mas já não dói:
é saudade sem ferida,
lembrança sem grito.
descobri que a luz
também pode vir do avesso —
nasce quando a gente para de procurar
e começa a ser.
e foi ali,
na vila onde tudo começou,
que renasci
sem você,
mas não sem amor.
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Saudade Subterrânea
A saudade, sorrateira.
Não se anuncia em portões,
nem bate à porta.
Ela desliza, rente ao chão da alma,
como a sombra de um pássaro que não existe.
Um arrepio na nuca do tempo,
um quase-suspiro que se perde.
Não é dor que berra,
mas um vazio mudo,
onde antes pulsava um tanto.
Um lugar de eco,
onde a memória acende e apaga
lâmpadas trêmulas.
É o cheiro de um livro antigo
que se abriu sem querer.
A canção que o rádio distorceu,
mas que a pele reconhece.
A introspecção vira uma conversa de sussurros,
com fantasmas gentis.
A gente se pergunta:
o que ficou de mim no que se foi?
E o que se foi, afinal,
está mesmo ido, ou apenas camuflado
na poeira fina do que não se toca?
A saudade, ela não volta.
Ela sempre esteve,
e é isso que assombra.
Um pedaço de nós que se esconde,
esperando o próximo instante de silêncio
para se revelar.




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