15 maio 2004

MUITO ESTRANHO

estranho
como ele sempre soubera
que lhe aconteceria.

ficar às voltas com a necessidade de crescer
sem as vontades de sofrer.
isso dava pra adivinhar.

ele sempre soube que um dia teria que passar por isso
e em meses viveu anos
e reviveu enganos.
tanto por fora
refletido
talvez no novo corte de cabelo
na roupa mais larga cheirando a rami
e nos quilinhos a menos
quanto por dentro
no oco mais profundo
do fundo falso
do seu pensamento infundado.

não
não se tornara melhor.
não se sentira melhor que antes
ou que ninguém
seu deus continuava sendo
o mesmo Deus
de todo o mundo
e suas orações ainda se misturavam
com o pedido
de acertar na vida
a dois
e na loteria
a sós.

parecia um qualquer estranho
muito estranho
de si mesmo
a buscar razões para encontrar-se assim.

mas parecia-lhe que o estranho
era mais consciente dos seus defeitos
das suas limitações.
convivia com todos e com todas,
todos seus fantasmas
todas suas ambições.
sem culpas exageradas.

o estranho
ele notara
deveria ter qualidades
sim
mas não se preocupava
em encontrá-las
procurá-las
reformá-las
restaurá-las
porque não fazia a menor diferença.

aquela despedida ainda lhe doía um pouco
e às vezes até pensava em chorar
mas o corpo e o moral já estavam se adaptando

foi se sentindo e ficando mais leve
e
às vezes
até ensaiava um tímido sorriso.
às vezes se pegava sorrindo
(mais e mais)
E até cantando
coisa mínima
mas já cantava.
se já se pegava sorrindo e cantando
só lhe faltava voltar
a gargalhar.
acredito que um dia ele volte.
.
Vicente
.
.
.

COADJUVANTE

eu quis ser
o coadjuvante
o melhor amigo
e fui aquele
que foi preparado
para ouvir
tudo
calar
engolir
o sentimento
e não me engasgar

fui eu o que abri
os braços
para o abraço
da chegada

e o que me transformei em
cúmplice
dos momentos
da situação mais sofrida

e fui
o que mais chorei
na hora
da despedida.
.
Vicente.
.
.
"O homem que não lê bons livros não tem nenhuma vantagem sobre o homem que não sabe ler. " (Mark Twain)
.

18 abril 2004

SETE E CINQÜENTA E SETE

batem-me vontades
de buscar-te a ti
percebo então os ponteiros do relógio
descrevendo improváveis acenos
a apontar-me que é madrugada.

alguns sons insones
apontam-me contrastes
enganos
equívocos.

avançam ponteiros
escandalosamente lentos
e te encontro neles
ali e além.

tento dançar-me contigo
nNas danças
nas tranças
que lembro
em corpos
caprichos
entregas
visões.

e os ponteiros?
arrastam-se
os malditos!
em segundos
que parecem léguas
em minutos
quilométricos
em horas abissais.

ainda
as vontades de apaziguar-me.
enxugando-me
em frente aos espelhos
de engodos
peles
suores
frios.

agora é tarde.
o metrô passa às oito.
e os ponteiros?
sete e cinqüenta e sete.
.
.
Vicente
.
.
"...Depois de algum tempo, você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma.
"William Shakespeare

18 março 2004

NADA MESMO

sem cautela
sem eira
(nem beira).

sem caneta
sem segundas intenções
sem careta
sem nada
que me escorra pelas mãos

nada na boca
nos ouvidos
ou vindos
ou idos
perdidos
paridos
achados
parados
perdição

sem causa
sem pressa
sem casa
sem razão

só assim
sim
simplesmente
sem sangue no coração

só a sorrir
só acho
só a chorar
só ir somente
sem mente
sem direção

sem alma
sem calma
sem corpo
sem gorjeio de pássaros
sem letra
sem canção

sem fome
sem apetite
sem prato
sem alface
nem feijão

sem carro
areia a mancheia
desktop
palmtop
pensamento
reflexão.

sem calendário
sem nada
nada mesmo
mas não tem NADA não.
.
.
Vicente
.
.
.
"Desconfia da tristeza de certos poetas. É uma tristeza profissional e tão suspeita como a exuberante alegria das coristas."
(Mario Quintana)

20 fevereiro 2004

AMANHÃ OU DEPOIS - GONZAGUINHA

MÚSICA
Artista: Gonzaguinha

Meu irmão amanhã ou depois
A gente retorna ao velho lugar
Se abraça e fala da vida que foi por aí
E conta os amigos nas pontas dos dedos
Pra ver quantos vivem e quem já morreu

Amanhã ou depois

15 fevereiro 2004

ÂNSIAS

ânsia de descobrir-se.
acordara assim
sem ter ao certo um motivo
sem perceber significados
mas queria crescer.

sentia-se um despropósito
sentia sua própria existência
entalada na garganta
sufocando
espremendo
contra a mais infundada
das amarguras.

seu eu incoerente
apressando-se em desmascarar
o momento
a sede
a criança
que ainda resistia em seu peito.

uma coragem contraditória
mostrou-lhe a desvantagem
de seguir em frente
por isso continuou pequena.
por dentro.
.
.
Vicente
.
.
.

10 janeiro 2004

SE HOUVESSE MAR

(ELA E A CIDADE - II)

no meu sonho mais louco
eu parava a cidade
para que elas me ouvissem.
ela e a cidade.

ao fundo
contundentes
as adagas dos arranha-céus
faziam a moldura.

eu queria que a cidade soubesse de tudo.
soubesse que a nossa conversa
não é só as palavras do dicionário.
soubesse que eu queria me sentar na areia
e ouvi-la falar
de frente para o mar.
se houvesse mar.

Vicente
.
.
.
"Um erro é a evidência de que alguém tentou fazer alguma coisa. "
(John E. Babcok)
.