31 dezembro 2024

ESPERANÇA DOS SÉCULOS

 Esperança dos Séculos

Carregam os séculos nos ombros
como quem carrega um filho adormecido:
com cuidado,
com medo,
com fé.

Passam guerras,
impérios de poeira,
decretos e desastres —
mas algo insiste
no canto de uma criança,
na teimosia das sementes,
na dança dos cometas.

A esperança não é nova,
nem velha:
é o intervalo entre um colapso e um recomeço,
é o silêncio antes do primeiro acorde,
é o gesto de estender a mão
mesmo quando o outro já partiu.

Ela dorme em livros esquecidos,
nas pedras que testemunharam
milênios de promessas quebradas,
e ainda assim
brilha.

Porque os séculos aprendem:
mesmo em ruínas,
a vida cava espaço,
e brota.


 

"Cada escolha de hoje despeja suas águas na vastidão do amanhã."

                                                                    Vicente Siqueira

15 dezembro 2024

TRAMAS RECONECTADAS

  

Tramas Reconectadas

 

Depois da tempestade, o porto seguro no teu abraço.

Não apenas corpos juntos, mas almas que se entrelaçam

No silêncio profundo da noite que virou madrugada.

Cada toque meu em tua pele é um fio desfeito

Que se religa, uma trama que se refaz

Com a paciência da verdade e do querer bem.

 

Teus cabelos macios sob minha mão,

Um refúgio para meus pensamentos dispersos.

O calor da tua respiração em meu pescoço,

O pulso lento e firme que me lembra

Que o ritmo da vida, juntos,

É uma canção suave de paz reencontrada.

Não há mais barreiras entre nós,

A pele, antes muro, virou ponte,

E o espaço entre os corpos, um convite mudo

À comunhão mais pura.

 

Naquele quarto agora banhado pela luz incerta do amanhecer,

O mundo exterior parecia distante, quase irreal.

A intimidade não era apenas o físico,

Mas o olhar cúmplice que entendia sem palavras,

O riso espontâneo que brotava da alma,

A certeza de que, sim, pertencíamos um ao outro,

Nessa dança redescoberta de afeto e carinho.

 

 

 

30 novembro 2024

LOOP INFINITO

 Loop Infinito

 

Nada novo, de novo.

O dia mimetiza o ontem,

o café na mesma caneca.

O mesmo tédio, o mesmo estorvo,

e a alma que se encolhe, seca.

 

O ponteiro gira, a vida não.

Replay do que já foi, exaustivo.

A rotina um nó, sem solução,

o presente um passado cativo.

 

A tela acende, o mesmo feed,

notícias velhas, sonhos gastos.

O pulso fraco, sem o que pedir,

em meio a tantos, tantos rastros.

 

E o grito preso, que não sai,

de um desejo por algo inusitado.

Mas o ar é denso, e me distrai,

nesse ciclo vicioso e cansado.

15 novembro 2024

HORIZONTES COMPARTILHADOS

 

Horizontes Compartilhados

 

A madrugada se dissolve em tons de rosa e laranja

Pelas frestas da cortina,

E o peso de mil noites se desfaz

No suave respirar ao meu lado.

Não há pressa, nem o tique-taque insistente

Do relógio. O tempo agora é outro,

Esticado e generoso, feito para ser preenchido

Com a calma da tua presença.

 

O plano não está traçado em linhas duras,

Mas em um desenho suave, feito a dois.

Um café que se prepara, o riso baixo

Que quebra o silêncio da manhã.

As manhãs cinzentas viraram memória distante,

Substituídas pelo brilho nos teus olhos

Que prometem um amanhã, e depois outro,

Em um fluxo contínuo de serenidade.

 

Não há garantia para além do presente,

Mas em cada toque, em cada olhar que se cruza,

Sinto a promessa de dias mais leves,

De um porto seguro recém-encontrado.

A porta que se abriu para ti

É agora a porta de um novo começo,

Onde o futuro não é uma incógnita assustadora,

Mas um horizonte vasto, convidativo,

A ser pintado com as cores da nossa paz.

 


31 outubro 2024

VENTOS

 

VENTOS

 

a percepção era a de que o vento não mudaria

e ele não percebia as armadilhas envolvidas.

houve o encontro do silêncio

que recendia a material menos nobre.

emergiu do lado de fora

da sua própria vida

que lhe parecia a cada dia

mais sufocante.

a vida

percebia agora

era uma colcha imensa

feita dos retalhos mais estranhos.

mínimos pedaços que faziam a diferença.

mínimos que tinham vontades próprias

e queriam ser máximos.

mínimos

como se fossem brisas

que

na verdade

em suas somas

formavam imensos furacões.

 

 

" a vida era uma colcha imensa, costurada com retalhos de sonhos esquecidos e pesadelos alados. Pequenos pedaços, sim, mas cada um com seu próprio coração pulsante, mínimos que eram sementes de gigantes"

 

 


15 outubro 2024

PULSAR RENOVADO

 

Pulsar Renovado

 

O frio da cama que antes me envolvia

Cedeu ao calor macio do teu corpo junto ao meu.

Em cada poro, a pele sentindo a pele,

Um sussurro mudo de pertencimento.

Teu cheiro, antes uma memória distante,

Agora me preenchia, terra úmida depois da seca,

Ou o ar fresco de uma manhã de montanha.

 

O silêncio da madrugada não era mais opressor,

Mas uma vastidão de paz, pontuada apenas

Pelo ritmo suave da tua respiração,

Um compasso que guiava a minha.

Meus dedos traçando a linha da tua coluna,

Sentindo a temperatura que dissipava o gelo antigo.

E o gosto do perdão, um sabor agridoce

Que se transformava em doçura na boca,

Como o primeiro raio de sol depois da tempestade.

 

Os olhos fechados, mas a visão nítida

Do presente que se refazia.

Cada fibra do meu ser respondendo

À presença que era mais do que física,

Era o eco de um sonho enfim alcançado,

Um pulsar renovado.

 

 

 

30 setembro 2024

THYSSEN, COMO EU VI

 THYSSEN, COMO EU VI

 

São tantas as fábricas.

Da mesma maneira que a primeira,

Por ser talvez a única e com certeza também a última.

Tudo novo, como novas eram as esperanças.

Pessoas. Visual. Ruídos. Odores. Calores.

Ah... Os calores.

Subindo grandes escadas de ferro em direção aos fornos.

Impressão de quadro surrealista.

O vai-vem das pontes rolantes, rolando. Guindastes.

Guindasteiros. De um lado para outro.

Burburinho de cadinhos

de análises,  de gusa, de sucata, de cromo,

cheiros de enxofre, fumaça de zinco, pó de areia,

pipocar de marretas, respingos de ferro.

Líquido que é ferro.

Como ferro é líquido e sua cor é laranja.

Precioso em vazamento  alaranjado.

Abundantes panelas.

Visão de sonho.

Sonho acordado.

Sonho de quem quer ter visões sonhadoras e práticas.

Sonho de se sonhar com gosto e sem sono.

Todo o quadro é parte. As partes se juntam.

Juntas são imenso organismo, são vivas as partes

E pulsam e se organizam em mínimos detalhes.

E as partes são órgãos.

 

Homens são partes. Homens são órgãos.

Cada homem, cada roupa, cada proteção, bizarras máscaras.

E são gerentes, diretores, soldadores, motoristas,

Tudo é como célula e trocam com o meio, e recebem e dão experiências.

Varredores, carregadores, eletricistas,

Levanta-se a marreta, quebra-se canais.

E são mecânicos, bombeiros, programadores, desenhistas,

Vazamento dos pingos de líquido quente no cadinho para análise.

São compradores, vendedores, borracheiros,estoquistas,

Tudo troca, tudo como uma procissão

que levasse o manto sagrado de uma religião.

São vigias, engenheiros, seguranças, economistas,

Como uma visão de Salvador Dali,

assim quando o mestre surrealista vislumbrasse

Todas as suas irrealidades dentro do quadro real da fundição dos metais.

Surrealismo em contato direto com os sentidos do real.

Presidente, forneiros, pedreiros, dentistas.

Se é indústria de ferro e aço é como uma qualquer outra religião.

Rebarbadores, químicos, tradutores, telefonistas

Tem prosélitos ardorosos, tem opositores ferozes.

 

Mais além divisei pessoas varrendo a via.

Vi pessoas subindo escadas para pintar imensos cilindros,

que me pareciam tonéis.

Vi homens de macacão cinza, uniformes azuis, roupas comuns.

Tinha homens de capacetes brancos, capacetes vermelhos,

Capacetes amarelos, verdes, mas não tinha cor-de-rosa.

Também tinha homens sem capacete, homens de blusa,

E homens de colete.

Homens de preto. Homens de branco.

Tinha homens de jaleco.

Homens quebrando.

Homens soldando.

Tinha homens pintando. Homens varrendo.

Tinha gente limpando, gente engraxando,

gente ao telefone, gente nas pranchetas,

gente atrás de grandes mesas, gente à frente de grandes destinos.

Todos os destinos todos de toda essa gente.

Tinha gente cavando, gente aterrando,

gente serrando, gente emendando.

Vi homens com martelo, homens com bicos de solda,

homens com bicos de bunsen.

Vi homens brancos sujos de pó preto. Vi homens pretos cobertos de pó branco.

 

Vi mulheres.

Vi mulheres que mandam. Vi mulheres que executam.

Vi mulheres que obedecem. Vi mulheres que riem. Vi mulheres que choram.

Vi mulheres felizes, vi mulheres que sofrem.

Vi pássaros, vi grama, vi árvores, vi fumaça, vi poeira.

Vi água, vi gases.

Vi homens dirigindo caminhões, guiando tratores;

Conduzindo empilhadeiras, comandando destinos, brandindo aço,

Temperando ferro, alimentando fogo.

Vi fornos e corridas. Vi formas e fôrmas.

Vi machos e machos.

Vi cilindros prateados, escadas azuis, tubos vermelhos,

mangueiras amarelas, tetos cinza, sonhos dourados.

Eu vi trabalho.

Eu vi muito trabalho.

Este foi meu sonho dourado quando estava bem acordado.

 

 


 

15 setembro 2024

SINAIS DE SILÊNCIO

 

Sinais em Silêncio

 

Não houve necessidade de mais "perdoas",

Nem de juras apressadas.

Teus olhos, profundos, me diziam tudo

No instante em que a porta se fechou

E o mundo lá fora se dissolveu.

Meu olhar, respondendo ao teu,

Era o eco suave de "sim".

 

Teus dedos, entrelaçados nos meus,

Falavam de caminhos que se reencontram,

De pontes erguidas sobre abismos.

O contorno suave do teu rosto

Sob a palma da minha mão,

Um mapa redescoberto,

Cada traço, um livro de memórias

Reescrito sem uma só palavra.

 

O fôlego suspenso, depois o suspiro conjunto,

A melodia mais pura que já ouvi.

Os corpos, antes tensos,

Agora um só, sem costuras,

Na dança lenta de quem retorna ao lar.

E em cada gesto, em cada respiração sincronizada,

A promessa silenciosa de um novo começo,

Gravada na pele, na alma, no ar que nos envolvia.