14 outubro 2025

CAMINHO DE DENTRO

 



 



Por Onde Fores

Anda, ainda que a estrada
se esconda entre névoas e dor.
Não temas a sombra ou a dúvida:
contigo caminha o Senhor.

O mundo é vasto e incerto,
mas teu passo é firmado em luz.
Sê forte, sê corajoso —
quem te guia é quem te conduz.

Há mãos que não se veem,
mas sustentam teu caminhar.
Há voz que sussurra firme:
“Não pares, eu vou te guardar.”

Então vai, alma valente,
com esperança no olhar.
Pois por onde fores, sempre,
Deus contigo há de estar.




 

Caminho de Dentro

Nem sempre o dia vem leve,
às vezes o passo dói.
Mas cada pedra vencida
faz do chão um herói.

Há vento que corta o rosto,
e silêncio que pesa demais.
Mas o tempo, em sua dança,
ensina a ser mais capaz.

A vida não vem com mapas,
nem promessas de mar sereno.
Mas no tropeço insistente,
nasce um coração pleno.

Segue, mesmo que lento,
com fé nos gestos pequenos —
pois quem atravessa a noite
traz nos olhos novos acenos.

13 outubro 2025

FIZ BACKUP DO QUE SENTI

 Fiz backup do que senti

Antes que apagasse,
fiz backup do que senti.

Copiei teu riso pra uma pasta segura,
salvei teu olhar em nuvem,
nomeei como “inesquecível_final_versão”.

Desconfio dos sistemas,
mas confiei no instante:
aquele em que tua presença
parecia carregar todos os megabytes da ternura.

Não deixei que deletassem.
Mesmo que tu saísses do frame,
mesmo que mudassem o código.

Criei senhas em metáforas,
formatei a saudade em poema,
e instalei um antivírus
contra tudo que tentasse reescrever
o que fomos.

Agora, se quiseres saber,
ainda estás lá —
entre os arquivos ocultos do toque,
nas configurações avançadas da lembrança.

Fiz backup do que senti.
E ainda acesso,
mesmo off-line.

AQUELA LINHA TÊNUE



Aquela Linha Tênue

Aquela linha tênue —
sutil, quase ausência —
separa o eu de mim,
como névoa entre dois espelhos
que já não se encaram.

Separar o eu de mim
é tarefa de vigília,
de quem sobe à torre
todas as noites,
com olhos que nunca dormem
e um coração em sentinela.

Lá do alto,
vigio as fronteiras do que sinto,
marcando com o olhar
onde termina a máscara
e começa a pele.

Há um abismo discreto
entre o que digo e o que me cala.
E essa linha fina,
tensa como corda de harpa,
às vezes canta.
Às vezes corta.

Separar o eu de mim
é arte de quem já se perdeu
e aprendeu a permanecer.
Mesmo vigiando,
mesmo partido,
ainda inteiro

REVERÊNCIA AO NOME

Reverência ao Nome

No silêncio do infinito,  
ergue-se o Nome que habita além das estrelas,  
não clamado para ser ouvido,  
mas venerado em cada pulsar da alma.  

Pai que acolhe o desassossego do mundo,  
teu nome é espaço sagrado,  
onde a esperança seca floresce,  
e o coração aprende a reconhecer  
a santidade que nos envolve,  
não em sons, mas no sentir profundo.  

Que em cada gesto, seja o teu nome exaltado,  
não como grito, mas como luz que atravessa as sombras,  
consagrando o dia, templando a noite,  
presença imensa em nós, invisível e doce.  

Que seja teu nome o caminho e a morada,  
a cessação das dúvidas, o abrigo de paz,  
em ti, Pai, descobrimos o sagrado repouso  
que transcende o céu e desce à terra.

08 outubro 2025

ABISMO INSACIÁVEL


 



 

















 


O Sabor do Que Se Desfez

 

O sabor do que se desfez. Não um gosto na boca, mas uma sensação que reside mais fundo, na memória das papilas da alma. É o amargor da perda, sim, mas também a doçura fugidia do que um dia foi completo. Um paladar complexo, que não se traduz em notas de café ou vinho, mas em fragmentos de tempo e toque.

 

É o resíduo do abraço que se evaporou, da risada que se calou, do plano que desmoronou. Um gosto residual, que se adere ao palato do pensamento e insiste em permanecer. Não é o azedo da raiva, nem a ardência da tristeza. É algo mais sutil, a essência do que não é mais, mas que, de alguma forma, ainda está ali, presente na ausência, no silêncio que se prova líquido. É o sabor da saudade que se diluiu, deixando apenas a impressão de um gosto que não se nomeia, mas se sente profundamente.





Presença Diluída

 

Não um silêncio de ausência de som.

Não o vácuo absoluto, o nada que precede o grito.

Mas um silêncio de presença diluída.

Algo que está, mas não se toca, não se vê,

apenas se sente escorrer.

Como a cor que se apaga na água,

ainda ali, mas sem a intensidade, sem o contorno.

 

É a sombra do que foi, espalhada em cada canto,

uma névoa fina que permeia o ar

e adere à pele.

A ausência não como vazio,

mas como ocupação sutil,

um peso que não se pesa,

uma forma que se desfez,

mas que ainda preenche o espaço.

 

É o respiro que não se ouve,

o movimento que não se vê,

mas que impregna a atmosfera.

Um silêncio que se prova amargo,

porque é o sabor do que se desfez,

do que se tornou parte do fundo,

misturado,

indistinguível,

mas eternamente presente

naquilo que sobrou.





 


Silêncio Líquido

 

É um silêncio líquido,

que não se ouve com os ouvidos,

mas se sente escorrer.

Como a água que não faz barulho ao cair,

mas inunda, preenche, ocupa cada fresta.

Não um silêncio de ausência de som,

mas de presença diluída,

de algo que se desfez em fluido.

 

É o silêncio do que se dissolveu,

do que se tornou transparente e denso ao mesmo tempo.

O silêncio que umedece os contornos do que foi,

deixando um rastro molhado na memória.

É o suspiro que não se ouve,

a lágrima que não cai,

a palavra que se afoga antes de ser dita.

 

Um silêncio que se bebe,

amargo e pesado,

escorrendo pela garganta da alma.

Um peso aquoso que se instala no peito,

um lago sem ondas, sem vida aparente,

mas que reflete a imensidão do que se calou.

É o silêncio do café esfriando,

da promessa não cumprida,

da espera que se transformou

em vazio flutuante.







 


O Café Frio

 

O café que esfria sem ser tocado.

Não é só a bebida que perde o calor,

mas a promessa do gole,

o convite a um início de dia,

ou a pausa em meio à tarde.

É um silêncio líquido,

condensando-se em gotas no vidro,

uma testemunha muda

de uma presença que se ausentou,

ou que nunca chegou.

 

A xícara intocada,

um pequeno altar para o desencontro.

O vapor que não sobe,

o aroma que não se espalha.

É a vida em suspensão,

um momento que deveria ser,

mas que se perdeu na névoa

do que não aconteceu.

E a gente observa,

com uma pontada no peito,

o líquido escuro

refletindo a luz fria do ambiente,

um espelho da ausência

que agora ocupa o espaço

onde o calor deveria estar.

 





 



O Vazio Que Fica

 

A presença da ausência é o que mata.

Não a lâmina, não o tiro,

mas o espaço que sobra

onde antes havia o corpo, a voz, o riso.

É a geometria distorcida de um ambiente

que se recusa a preencher

o contorno do que se foi.

 

É o ar pesado, denso,

nos lugares que você não ocupa.

O silêncio que se impõe

sobre a melodia que antes era sua.

É o quase toque na cadeira vazia,

a mão estendida que encontra apenas o nada.

A saudade ativa, pulsante,

que não é de lembrança, mas de falta concreta.

 

É o martelo do dia a dia

batendo na certeza do irrecuperável.

O travesseiro ainda marcado,

o café que esfria sem ser tocado.

Uma morte lenta e contínua,

diluída em cada objeto,

em cada canto da casa,

que grita o nome do que não está.

E a gente respira, come, dorme,

mas sabe que em alguma parte,

um pedaço essencial,

cessou de viver.




 


 



A Ressonância Silenciosa da Saudade

 

Também já senti essa saudade que não faz barulho. Não se manifesta em gritos ou lamentos, não se estraçalha em soluços. É uma saudade que se aloja em lugares ocultos, em câmaras secretas do peito, onde o som é desnecessário para que a presença seja sentida. Ela não pede passagem; simplesmente ressoa no fundo. Uma vibração quase imperceptível, como o tremor distante de um sino, que se espalha pelas veias e adentra os cantos mais remotos da alma.

 

É a ausência que se torna presente, mas não de forma dolorosa e aguda. É uma melancolia suave, um reconhecimento do que foi e já não é, sem que isso implique em desespero. Um aceno para a memória, sem a necessidade de reviver cada detalhe. Essa ressonância é o que nos lembra da complexidade do afeto, da forma como o tempo e a distância transformam a intensidade da falta em uma quietude que, paradoxalmente, ecoa mais fundo do que qualquer clamor. É a saudade que se basta em si mesma, em seu silêncio profundo, porque o que foi vivido não precisa de alarde para continuar existindo em nós.