Prefácio
Vicente Siqueira não escreve para explicar o mundo.
Escreve para atravessá-lo.
Seus poemas são fragmentos de pensamento,
vertigens de sentimento,
lampejos de silêncio.
Aqui, cada palavra tropeça,
cada ideia corre,
cada instante é uma tentativa de tocar
aquilo que sempre escapa:
o ser.
Um livro para quem já amou,
já duvidou,
já perdeu o chão — e,
mesmo assim,
seguiu escrevendo dentro de si.
A mais rara e mais bela de todas
Não era ouro,
nem glória,
nem o instante perfeito congelado em fotografia.
era outra coisa.
mais leve.
quase invisível.
feito respiração entre palavras.
talvez fosse o momento
em que duas mãos se tocam
sem saber direito por quê.
ou o silêncio
que não pesa —
só acolhe.
era o não dito
que ainda assim dizia.
a lágrima que caía
sem vergonha nenhuma.
era quando a dor se sentava
ao lado da esperança
e os dois assistiam
ao mesmo pôr do sol.
não brilhava,
mas acendia por dentro.
não doía,
mas também não fingia.
a mais rara e mais bela de todas
não se posta,
não se vende,
não se ensina.
só se vive.
por segundos.
por dentro.
e depois,
fica.
Distância não apaga
Dizem por aí
que a distância apaga sentimento,
que o tempo arrasta tudo
pro fundo do mar da memória.
mas olha —
essa é uma das maiores mentiras da história.
porque a distância não apaga.
ela limpa.
ela decanta.
ela tira o barulho em volta
e deixa só o que é mesmo sentimento de verdade.
e aí, quando tudo silencia,
eu percebo:
o que já parecia grande
é maior que um gigante.
é presença que não precisa de presença.
é nome que ecoa mesmo quando ninguém chama.
é carinho que não precisa de motivo novo.
é amor que não entende de geografia.
o tempo passa,
a cidade muda,
a gente finge que esqueceu —
mas o coração tem jeito próprio
de guardar o que foi puro.
e por mais que o mundo repita
que a distância esfriou,
a verdade é que ela só me mostrou
que o teu lugar em mim
não era provisório.
era raiz.
De longe
mesmo querendo te abraçar no final
e comemorar o teu sucesso
como quem torceu em silêncio desde o começo,
eu fico quieto.
parado no canto da plateia,
boca cheia de aplauso contido,
coração meio descompassado.
não é inveja,
nem amargura.
é só que
eu não me sinto parte.
não da festa,
nem da conquista,
nem do caminho até aqui.
parece que criei um enredo onde
minha cena foi cortada na edição final.
e tudo bem.
às vezes a gente ama de fora mesmo.
de longe.
com os olhos.
com uma prece baixa.
porque estar feliz por você
não apaga a ausência que ficou em mim.
mas acalma.
e talvez isso seja o que restou
— e talvez
seja o suficiente por hoje.
Problema meu
Eu sei.
isso é um problema meu,
inteiramente meu.
fui eu que li mapas onde você só rabiscou, distraída,
fui eu que dei nome a ruas que não levavam a lugar nenhum.
Então,
antes que o refrão recomece,
antes que a ponte musical me iluda de novo,
eu prefiro fugir no final da canção —
mesmo querendo ficar.
Não por orgulho,
não por drama,
mas porque aprendi a não insistir em danças
onde só eu conheço os passos.
Meu adeus vai ser baixo,
como quem sai de fininho
de uma festa onde ninguém notou que chegou.
E tudo bem.
No repeat da memória
vou lembrar mais do que foi bonito
do que do silêncio entre uma estrofe e outra.
Porque, no fundo,
algumas canções são feitas pra tocar só uma vez.
e isso não tira delas a beleza
— só a ilusão de que durariam pra sempre.
Talvez eu me dê uma importância
Talvez
eu me dê uma importância na sua área afetiva
que você nunca me deu.
talvez
eu more em um cômodo do seu coração
que nem existe.
talvez eu tenha inventado a chave,
a porta,
e até a planta da casa.
talvez
eu tenha lido sorrisos como sinais,
mensagens como promessas,
silêncios como espaço reservado.
no fundo,
talvez você só tenha me deixado passar,
como quem segura o elevador pra alguém estranho —
educado, mas sem destino comum.
talvez eu tenha feito altar
onde você só estendeu a toalha do café.
talvez eu tenha sonhado à beça
num campo onde você só encostou pra descansar.
e tudo bem.
não é erro seu.
não é maldade minha.
é só desencontro de sintonia —
a velha arte de supor reciprocidade
em ondas diferentes.
talvez eu me dê uma importância
que não tenho.
mas olha:
a minha parte foi sincera.
e às vezes, isso basta
pra seguir em paz.
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