Horizontes Fechados
Bateu em todas as portas
com mãos feitas de esperança antiga.
Chamou pelos nomes esquecidos,
sussurrou promessas que ninguém lembrava.
A estrada era longa,
mas seus pés já sabiam do peso da espera.
Levava consigo mapas desenhados com lágrimas,
e a memória de um sol que nunca nasceu.
Em cada encruzilhada,
erguia os olhos como quem pergunta ao céu.
Mas o céu…
ficava mudo.
E então,
quando o último caminho parecia cintilar,
quando a alma se curvou no gesto final,
encontrou apenas horizontes fechados.
Não grades.
Não muros.
Mas um mundo que se negava a abrir os braços.
Ainda assim, permaneceu.
Não por teimosia,
mas porque às vezes,
a própria espera é uma forma de fé.
E no silêncio do que não se alcança,
há quem descubra
que certos portais não se abrem —
eles se tornam.
Horizontes Fechados — Parte II
O Espelho Velado
Havia vento,
mas ele não levava.
Havia luz,
mas ela não aquecia.
E no chão, nenhum rastro além do seu.
Sentou-se diante do horizonte fechado,
como quem escuta uma porta por dentro.
Não pediu mais.
Não gritou.
Fez do próprio corpo um abrigo,
e da ausência, um idioma novo.
Ali, entre não-passos e não-respostas,
algo cedeu —
não fora, mas dentro.
Como se o que buscava não estivesse à frente,
mas atrás do olhar.
Como se o horizonte,
tão fechado,
fosse apenas o reflexo do que ainda temia abrir.
E então, pela primeira vez,
não quis ir.
Quis permanecer.
Quis ver se a chave não era ele mesmo.
Horizontes Fechados — Parte III
A Chave que Respira
Quis ver se a chave não era ele mesmo.
E ali, onde todos os caminhos negavam passagem,
voltou-se para dentro
com olhos que ainda não sabia usar.
Despiu-se dos nomes,
das vontades herdadas,
das perguntas vestidas de certezas.
Ficou nu diante do mistério.
Não para vencê-lo,
mas para deixar que o mistério o visse —
sem defesas,
sem disfarces.
E então percebeu:
os horizontes não estavam trancados.
Estavam espelhados.
Fechavam-se, sim —
mas apenas para quem batia com força,
para quem pedia uma estrada que não era sua.
Quando enfim se calou,
quando a busca cedeu lugar à escuta,
uma fresta respirou no horizonte.
Não um portal.
Não um milagre.
Mas uma brisa.
E foi o bastante.
Pois quem se torna chave
não precisa mais de portas.
Atravessa com o gesto,
com o silêncio,
com o simples estar.
Horizontes Fechados — Parte IV
Olhos Não Sabidos
Começou a ver
com os olhos que não sabia usar.
Não os da carne —
mas os que nascem
quando tudo o que é visível
falha.
Olhos feitos de escuta,
de entrega,
de não querer entender.
Com eles, o mundo não era mais forma,
mas sopro.
Não era caminho,
mas presença.
E as coisas que antes pareciam inertes —
pedras, sombras, silêncios —
revelaram-se cheias de intenção contida.
Como se tudo estivesse esperando
que ele visse diferente,
e não mais… como antes.
Percebeu que o horizonte nunca fechara.
Ele apenas esperava o olhar certo,
o que não força,
o que não exige,
o que apenas… reconhece.
E com esses olhos,
viu que havia portas por toda parte.
Algumas feitas de vento.
Outras, de memória.
E uma — a mais sutil —
feita do próprio tempo em que ficou.
Horizontes Fechados — Parte V
Portas Invisíveis
Atravessou.
Mas não como se atravessa um limiar —
não houve passo,
não houve som.
Foi um deslizamento sutil,
como o pensamento que se reconhece verdade,
ou o instante em que o medo se cala.
Era uma porta sem bordas,
sem madeira,
sem tranca.
Feita do exato momento em que deixou de buscar.
Do outro lado,
não havia paisagem nova.
Era o mesmo mundo —
mas inteiro.
As folhas tremiam diferente.
O céu respirava mais perto.
Até as pedras pareciam ter algo a dizer.
E o mais estranho:
ninguém notou que ele havia cruzado.
Pois quem vê com olhos não sabidos
torna-se invisível aos que só enxergam com pressa.
Lá,
na quietude do que se abriu sem esforço,
descobriu que atravessar
nunca foi sair —
foi permitir que o dentro
encontrasse o fora.
E onde antes havia um horizonte fechado,
agora havia espaço.
Um espaço tão simples
que só podia ser infinito.
Horizontes Fechados — Parte VI
O Espaço Que Ouve
No espaço que não dizia nada,
ele sentiu-se ouvido pela primeira vez.
Não julgado,
não moldado —
apenas escutado em silêncio absoluto.
Era como se o mundo,
agora permeável,
o deixasse existir sem medida.
Sem moldura,
sem fim.
E quanto mais não fazia,
mais o espaço respondia.
A própria quietude do lugar
era uma linguagem que o tocava por dentro,
desfazendo ruídos antigos,
reabrindo passagens que o medo calou.
Ali, percebeu:
não era ele quem caminhava.
Era o espaço que se abria sob seus passos.
Cada gesto pequeno —
um portal.
Cada pausa —
um retorno ao que sempre esteve.
Começou a andar
como quem não carrega o corpo.
Como se fosse feito da própria escuta,
como se o ar já soubesse seu nome antes dele pronunciar.
E enfim compreendeu:
o caminho não levava a um lugar.
O caminho era um estado.
Era ser.
Horizontes Fechados — Parte VII
O Retorno Invisível
Voltou.
Não por saudade,
mas porque entendeu
que o que aprende a ver
precisa, um dia, também ensinar a enxergar.
As mesmas ruas,
os mesmos rostos,
as mesmas ausências que antes gritavam —
agora silenciavam de outro modo.
Ele andava entre os outros
como sombra que carrega luz.
Falava pouco,
mas sua presença contava histórias
que ninguém sabia ter ouvido.
Tentou abrir, com gestos,
as portas que ainda viam trancas.
Tentou mostrar, com o silêncio,
que alguns muros só existem
para que aprendamos a atravessá-los por dentro.
Mas percebeu que há olhos que ainda dormem.
E que não se deve forçar o despertar.
Então, tornou-se brisa.
Tornou-se pausa entre palavras.
Tornou-se aquilo que, ao passar,
não deixa marca — mas deixa espaço.
E assim vive,
sem sair nem chegar,
dentro do mundo que o rejeitou,
mas que agora carrega dentro de si.
Pois quem atravessou o invisível
sabe:
nada mais é fechado,
nem mesmo o que parece ser.
Horizontes Fechados — Epílogo
Aquele que se tornou passagem
Ninguém viu quando ele partiu.
Ninguém notou quando voltou.
Mas algo, em cada coisa,
tornou-se mais leve.
A chuva hesitou ao tocar o chão.
As palavras buscaram menos pressa.
Até o tempo, esse velho carrasco,
parecia pisar com mais cuidado.
Pois havia no ar um vestígio:
não de presença,
mas de caminho aberto onde antes era pedra.
Alguns dizem que ele virou vento.
Outros, que ainda caminha —
em silêncio,
entre perguntas que ninguém ousa fazer.
Mas quem já sentiu,
mesmo por um segundo,
aquele espaço sem paredes,
aquele olhar que vê sem querer,
sabe:
ele não era alguém.
Era uma abertura.
Um rasgo manso
no tecido do impossível.
E quem o encontra,
não o encontra.
Apenas se lembra
de que também é chave.
De que também é porta.
De que também, um dia,
poderá ver com os olhos
que ainda não sabe usar.
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