13 setembro 2011

APÓS O PONTO FINAL

 

Após o Ponto Final

 

A tinta seca.

O silêncio engole a frase.

Um respiro, talvez.

 

O que vem depois?

Não a próxima palavra,

mas a reverberação.

 

Um eco no vazio,

a sombra de uma ideia

que se desfaz no ar rarefeito.

 

Nas entrelinhas do nada,

pulsa o não-dito,

o quase-pensamento.

 

Ali, oculto,

o germe do que poderia ter sido,

ou o pó do que nunca existiu.

 

É o espaço entre os átomos,

a pausa antes do som,

o lugar onde o sentido se dissolve

e a ausência se manifesta.

 

Uma tela em branco,

onde o olhar busca contornos,

formas que nunca se concretizam.

 

Apenas a promessa de um sussurro,

a bruma de um esquecimento,

a leveza do que não tem peso,

e se perde,

além do ponto final.

30 agosto 2011

DEDICATÓRIA

 

Dedicatória

Para os que amaram e calaram.
Para os que viram o amor passar de mão dada com o passado.
Para os que ainda escrevem cartas que nunca serão enviadas.


A GEOMETRIA DOS POETAS

 

A Geometria dos Poetas

Ela me chamava de “meu poeta”,
com aquele jeito de quem sabe o que a palavra carrega.
Eu a chamava de tempestade mansa.
O grupo de poesia era o nosso refúgio,
uma casa sem paredes.

Agora, ela chega com outro.
E tudo dentro de mim desmorona em silêncio.
O poema se reescreve por dentro.
Sem caneta.

22 junho 2011

NA TEIMOSIA DAS SEMENTES

 

Na teimosia das sementes

Há um tempo em que tudo parece seco.
O chão, o olhar, os gestos.
Mas ali, quieta,
sem alarde,
uma semente insiste.

Não pede licença.
Não exige aplausos.
Apenas rasga a terra por dentro,
num esforço sem nome
que só os vivos compreendem.

Ela não quer saber se vai chover.
Se o mundo está pronto.
Se há espaço.
Ela apenas segue,
como quem ouviu um chamado antigo
e não consegue mais voltar atrás.

Na teimosia das sementes
mora a lembrança do início
e o desejo do depois.

Mesmo que os dias sejam duros,
mesmo que ninguém veja,
algo em nós também rompe.
Também cresce.

13 junho 2011

NOVA CALIGRAFIA DA ALMA

 

Nova Caligrafia da Alma

 

Eu escrevia a minha história com traços hesitantes,

Uma letra miúda, quase ilegível,

Cheia de vírgulas de dúvida e pontos finais de medo.

As margens, apertadas, mal permitiam respirar,

E o enredo, ah, o enredo era só o que esperavam de mim.

 

Mas então veio um sopro, uma brisa nova,

Que não pediu licença, apenas chegou.

E, de repente, a pena que eu segurava,

Não era mais a mesma.

Não era uma quebra, era um redesenho.

 

Você chegou, ou talvez foi a vida em si,

E mostrou que existiam outras tintas,

Cores vibrantes que eu não ousava usar.

A caligrafia da minha alma mudou.

Os garranchos viraram curvas suaves,

As linhas retas, agora dançam em arabescos.

 

Não é mais um texto a ser lido em voz baixa.

É um poema de traços largos, em negrito,

Com espaços para o imprevisível,

E uma fluidez que eu nem sabia que tinha.

A tinta é a coragem, o papel é a liberdade,

E cada palavra é um passo novo, sem receio.

 

Hoje, minha alma escreve sem pausas forçadas,

Com um estilo que é só meu, sem cópias.

Os erros viraram rascunhos de aprendizado,

E as páginas em branco, convites à criação.

É um novo eu, com uma nova caligrafia,

Mais autêntica, mais bonita, mais eu.

E o melhor? A história está apenas começando.

30 maio 2011

CREPÚSCULO DO EU DESPEDAÇADO

 

Crepúsculo do eu despedaçado

No crepúsculo do eu despedaçado,
a luz se parte em tons indecisos,
meus cacos brilham como espelhos gastos
de um tempo que já não me reconhece.

Há algo de sagrado na ruína —
um cansaço que se curva em silêncio,
um adeus que não sabe do fim,
mas ainda insiste em acenar.

Cada fragmento do que fui
se deita sobre a sombra longa
de um dia que não quis terminar,
como se a noite pedisse perdão
por chegar tão tarde.

No crepúsculo do eu despedaçado,
descubro que sangrar também é forma
de ver beleza onde ninguém vê —
e que a dor, quando se põe,
deixa um fio dourado
entre o que sobrou
e o que virá.

27 maio 2011

UNIVERSO SILENCIOSO

 Universo Silencioso

Dentro de mim,
um universo de palavras sufocadas
gira em silêncio.

Não explode,
não reclama,
mas pulsa —
como estrela que ninguém vê.

Há frases inteiras
presas na garganta,
com o peso de constelações.

Segredos antigos,
nomes que nunca chamei,
despedidas que não couberam no tempo.

Tudo orbitando
no espaço estreito
entre o que sinto
e o que deixo escapar.

Às vezes,
me sento no centro do peito
e escuto.

As palavras querem nascer,
mas temem o ar,
a forma,
o depois.

Então ficam.
E esse ficar
vai me tornando
galáxia calada,
coração com céu demais

20 maio 2011

SE TIVER, EU PREFIRO

 

Se Tiver, Eu Prefiro

 

Músicas que dançam no ar,
A leveza de um dia sem planos,
A brisa suave acariciando a pele.

Se tiver, eu prefiro.


02 fevereiro 2011

RECONHECIMENTO

 Reconhecimento

 

Reconheci algo familiar no espelho.

Não o traço exato de ontem,

nem a promessa de amanhã.

Mas um brilho no fundo do olhar,

uma ruga que contava uma história

que só eu conhecia.

 

Não era a perfeição que se busca,

nem o estranho que a vida nos impõe.

Era a essência que resiste,

o fragmento de um eu antigo

que teima em permanecer.

 

Naquele reflexo,

o tempo e as transformações se fundiam.

E ali, entre o novo e o que sempre foi,

encontrei a paz de saber

que, apesar de tudo,

ainda sou eu,

com as marcas e os mistérios,

mas com a mesma alma

que sempre me habitou.

31 janeiro 2011

INCRUSTAÇÕES

 

Incrustações

Tuas ausências
ficaram incrustadas em mim —
não como cicatriz,
mas como mineral raro,
silencioso,
duro.

não sangram,
mas pesam.
não gritam,
mas moldam o tom
com que digo o teu nome
(ou não digo).

às vezes me movo
e ouço o som
delas dentro de mim,
como se a memória
fosse feita de cacos
reverberando em ossos.

teu não-gesto,
tua não-presença,
se fizeram matéria.
e hoje carrego
teu vazio
como quem carrega
um medalhão
sem retrato.