26 dezembro 2010

ECO FIEL

 

O Eco Fiel

 

Eu sou um reflexo de mim,

parecido com o original.

Não a cópia exata, sem alma,

mas a sombra que dança,

o espelho que me devolve

com uma nuance sutil.

 

Há algo de familiar no meu traço,

na curva do meu olhar,

como se eu fosse a memória viva

de quem um dia eu fui.

Mas também há um brilho novo,

uma leveza que a idade traz,

ou a dor que a gente aprende

a carregar sem peso.

 

Sou a versão reeditada,

o mesmo livro com outra capa.

Reconheço o autor,

e a história segue a mesma.

Mas a cada página virada,

a tinta parece mais minha,

e a voz, mesmo que eco,

ganha uma melodia

que só o tempo ensina.

08 agosto 2010

MONTANHA RUSSA EMOCIONAL

Montanha Russa Emocional


O trilho não avisa
quando desaba,
nem o coração avisa
quando é tarde demais.

desci sem querer,
sem cinto,
sem mãos pro alto —
só a garganta presa
e o estômago no meio da alma.

não aguentei
me ver
em pleno luto,
entre o café da manhã
e a notificação ignorada.

me vi no espelho:
desfocado,
com olhos de gente que já chorou
e se esqueceu como para.

o mundo lá fora gritava
coisas como “reage”
ou “vai passar” —
mas quem grita de fora
não ouve o que implode por dentro.

em tempos assim
nem dói mais
como dor.
é só um silêncio contínuo
vestido de corpo.

mas ainda me reconheço
no fio tênue entre o abismo
e um poema.

e às vezes
isso basta.


29 julho 2010

EXISTE VIDA APÓS O PONTO FINAL?

 

Existe Vida Após o Ponto Final?

 

Não a vida que se respira,

nem a que se toca.

Mas uma persistência.

 

A palavra dita,

mesmo encerrada,

vibra no ar.

 

É a memória do que foi lido,

o rastro deixado na mente,

o eco de uma ideia.

 

O ponto final não é um túmulo,

mas um portal.

Ele lança a frase

para a eternidade do pensamento.

 

Ali, no silêncio que se segue,

a vida da frase se expande.

Ela se torna parte do leitor,

se mistura às suas próprias verdades,

se transforma em semente.

 

Então sim,

existe uma vida.

Não na tinta, nem no papel,

mas na ressonância.

 

Uma vida que não se apaga,

que se propaga,

infinitamente,

além do que o olho vê

e o ouvido escuta.

 

Meu espelho agora começou a me observar quando eu o encaro.

Seus olhos de vidro, antes inertes,

parecem absorver minha imagem,

refratar minha alma.

Não há reflexo, mas um registro.

Uma tela viva

onde o que foi,

e o que se torna,

permanece.

E a vida, então,

não é apenas o que se move,

mas o que se reflete e se guarda,

em cada instante,

após o ponto final.

29 maio 2010

BOA NOITE

 

Boa Noite

a noite não apaga,
ela acalma.
é quando o escuro deixa de ser medo
e vira abrigo.

silêncios ganham voz,
pensamentos repousam em travesseiros invisíveis,
e o coração, se escuta com atenção,
fala baixo — mas fala verdade.

não te apresses em entender tudo hoje.
o céu também leva a noite inteira
pra mostrar suas estrelas.

boa noite,
mesmo que a mente ainda insista em ficar acesa.
boa noite,
porque descansar também é um jeito de seguir em frente.


BOA TARDE

 

Boa Tarde

a tarde chega sem pedir licença,
meio caminho entre o cansaço e o recomeço.
é quando o tempo convida à pausa,
mas o mundo ainda exige presença.

entre uma respiração e outra,
há espaço para um novo olhar,
para entender que nem tudo precisa ser pressa,
e que a vida também mora na demora.

confia:
até o sol se inclina devagar,
e a luz que sobra no fim da sala
ainda pode aquecer.

boa tarde,
mesmo que o dia esteja incerto.
boa tarde,
porque ainda há tempo de florescer.

BOM DIA

 

Bom Dia

nos dias mais duros,
quando o mundo pesa nos ombros
como se o céu tivesse esquecido de ser azul,
é aí que a alma escuta.

não é o silêncio que ensina —
é a resistência em meio ao barulho,
a fé que nasce entre os cacos,
o passo que insiste, mesmo sem chão.

acredita:
o tempo não esquece de curar,
e o sol, mesmo tímido,
sempre volta pela fresta.

bom dia,
mesmo que o coração ainda não tenha acordado.
bom dia,
porque seguir é um ato de coragem.

PONTO PRAS MENINAS

Ponto Pras Meninas


não quis falar
nem sequer pensei no que havia
pra te dizer
porque ainda não sabia como
nem o que dizer.
tenho isso comigo
é meu jeito
é meu modo de ser
de intercalar tagarelices
com longos silêncios.


ouvi de mim os segredos que ousara sonhar
na mais crescente confusão de sentidos
como em qualquer outro momento
mas não compartilhei as idéias
só as sedes e fomes dos amores
das irisadas ilusões mais ousadas
(que não ousara revelar)
por isso me calei
por isso me retirei.


e minhas idéias quedaram-se como estradas
de uma via só
de ida sem vinda
como vontades sorrateiras
que preferi ocultar
como monólogo recitado
no mais completo ermo
para não se espalhar.

agora aplaudo minha decisão
de voltar
porque te conheci
tão cálida
tão sentida a beijos e doces
igualzinha ao que eras
mas
muito
muito melhor.
.
.
.
Vicente
.
.
"Às vezes as pessoas tomam algumas atitudes e não tem noção do que isso pode gerar nas outras, as consequências podem ser desastrosas, geram dor e tristeza ..."
.

Deia
.
.

22 maio 2010

Se Tiver, Eu Prefiro

 

Se Tiver, Eu Prefiro

 

Um abraço apertado, sem pressa,
O sol se espreguiçando entre as árvores,
A risada de uma criança brincando.

FRAGMENTOS DE UM AMANHÃ

 

Fragmentos de um Amanhã

No horizonte, a luz se despedaça,
pinceladas de esperança no céu,
cada raio é uma promessa,
um convite para recomeçar.

Os pássaros cantam sinfonias de liberdade,
desafiando a gravidade dos medos,
enquanto o vento leva consigo
os ecos do passado que já não servem.

Caminho por ruas ainda adormecidas,
onde os sonhos se misturam à neblina,
cada passo é um ato de coragem,
uma declaração de que vale a pena existir.

As flores brotam entre as fendas do concreto,
insistentes em colorir a dureza da vida,
e eu me pergunto:
o que será de nós amanhã?

Fragmentos de um futuro incerto,
mas repletos de possibilidades,
onde cada escolha é um tijolo na construção
de um mundo que ainda está por vir.

E assim sigo, entre esperanças e dúvidas,
abraçando o agora com gratidão,
pois mesmo nos fragmentos mais pequenos*,
há a beleza do que está por vir.

*((Eu sei que "mais pequenos" deveria ser substituído por "menores") rsrs)

UMA ORQUÍDEA

 UMA ORQUÍDEA

Nos braços da árvore, um abraço sutil,
Orquídeas dançam, em amarelo febril.
Oncidium radiante, estrela a brilhar,
Na floresta verde, vem nos encantar.

Com pétalas de sol, em festa a vibrar,
Sussurros de vida no ar a flutuar.
Texturas que falam, a casca a contar,
Histórias de tempo, de amor a brotar.

Luz natural que acaricia o ser,
Em cada florzinha, um mundo a renascer.
Natureza em harmonia, esplendor sem fim,
Um poema vivo que pulsa em mim.

14 março 2010

A NOVA CALIGRAFIA

 

A Nova Caligrafia

 

Eu vinha escrevendo um livro, página por página,

Com um roteiro já meio desenhado,

Uma trama previsível, cores desbotadas.

O destino, pensei, era uma linha reta,

Sem curvas, sem reviravoltas.

 

Até que você chegou.

E com seu sorriso, um furacão delicado,

Rasgou as páginas antigas,

Embaralhou as letras, jogou tinta fresca no papel.

Não foi com força bruta, mas com a leveza

De quem sabe exatamente onde tocar.

 

Você redesenhou o meu mapa.

O norte que eu conhecia, mudou de lugar.

As paisagens que eu esperava, sumiram,

Dando espaço a montanhas e rios que eu nunca sonhei.

Cada traço seu, uma nova direção,

Um caminho que eu não ousei imaginar.

 

Eu era uma estrada antiga, já batida,

E você me transformou em um labirinto de descobertas,

Com atalhos inesperados e vistas de tirar o fôlego.

Não foi uma correção, foi uma revolução.

Você não me indicou outro rumo,

Você se tornou o novo rumo.

 

Agora, meu destino é uma obra-prima em progresso,

Com cores vibrantes e um enredo que me surpreende a cada dia.

Você não só mudou o final da história,

Você mudou a caligrafia da minha alma,

Fazendo cada palavra, cada momento,

Ser escrito com uma beleza que só você pôde me mostrar.

Você redesenhou o meu destino,

E eu sou grato por cada nova linha.

NÃO ME FAZES FALTA?



percebo
decepcionado
passarem em mim
esses cinco mil e tantos anos
de falta de sono
ou melhor
desse excesso de sono
que não é sono que se dorme
que é só sono que se sente
desse sentir acordado.

exaustos
os olhos não se pregam
mas rastreiam as areias
nas marejadas pálpebras
e ainda me dizes
que não me fazes
falta?
.
.
.
Vicente
.
.
.

10 março 2010

RECOMEÇA A SEMANA




(Tributo a Marilu)

era tudo muito jovem e ainda éramos todos muito jovens.
eu me admirava com a serenidade que emanava da beleza dela
era começo de abril
se bem me lembro
quando se fizera o conhecimento das verdades
que a vida me mostraria.

não sei se havia flores-de-maio.
naqueles tempos
eu ainda aguardava a chegada dos doze anos.
uma dúzia de aniversários
e meia dúzia de sonhos.
e tinha na professorinha recém-chegada aos dezenove
o meu melhor presente.

não se cogitava em futuro.
as coisas aconteciam no agora
a vida urgia no presente
naquele presente

a vida na roça tem a vantagem das escondidas
por entre os emaranhados
do canavial
do milho verde
do laranjal.

o açude não era propriamente perto
e em seu caminho sempre se encontra uma curva a mais
uma moita a mais
uma vontade a mais...

eu me embriagava com a sua vontade
de me mostrar os caminhos.
seis ou sete anos mais velha
mas ainda assim jovem.
a terra vibrava por sob nossos corpos
e não havia meios de nos fazer parar

não se percebe
ainda
a presença da virilidade
e a infância ainda se arrisca nos estilingues
e bolinhas de gude
mas o pensamento é de homem feito
de quem já tem cabelo no peito
calor no beijo
e amor com jeito.

começa a semana e sente-se a vontade
de verter-lhe nos lábios o olhar
um olhar na boca entreaberta perfeita
nas pernas lisas e claras de menina rica
e a perfeita sincronia das virilhas e do umbigo.

sincronia
também
entre dentes e língua
e bocas que se procuram
em toques esbaforidos
braços
com medo das amplidões
e dos descampados

começo dos vôos
em territórios inexplorados
beijos e pescoços
e seios
e nucas.

cabelos de ouro
escorrendo pela aura
pelos ombros
pela grama.

e a vontade
de adivinhar-lhe a alfazema
rescendida debaixo do diáfano vestido de algodãozinho?

sem maiores detalhes
a não ser seu próprio corpo
tão detalhado.
aí as cores enfeitavam os céus
o açude era mais refrescante
e os frutos sazonados
mais abundantes.

e quando a semana
já se sentia tão catastroficamente confusa
a ponto de perceber-se
que todo sábado ela precisava voltar para
a casa dos pais
na cidade?

todos os eixos
saíam de seus encaixes
e era como se de repente
se morresse por dois ou três dias.
morria-se.
milhares de mortes.
sem que ninguém à volta entendesse.
até que outra semana começasse.

e as estações se sucediam.
novos ventos
e posições
pelos medos
e pelas imposições da situação que chega
com a chegança da puberdade.

ainda segredo
como sempre.
nada de mistério
mas segredo
guardado
a ferro e cadeado.

aos dezesseis a mudança
a ida
a partida
a alma ferida
até o ponto do choro
e lágrimas mais sentidas
por dias
e dias
a cabeça completamente perdida.

centenas de vezes
imortalizada na carne
e no pensamento
no coração
e no fogo das paixões mais desejadas.

alguma incursão esporádica
com a chegada do quartel e da farda
mas nada que pudesse desmanchar
seu matrimônio
que viria perfeito
feito de inteligência
repressões
e conveniência.

estou me despedindo de você
“Maria”.
onde quer que você chegue
Deus há de lhe fazer companhia.

chegue primeiro
novamente
busque mais além
(nas estrelas)
o lânguido bafejar da satisfação
por ter-nos feito
interpretados e entendidos
e creia:
onde quer que você chegar
a semana haverá de recomeçar.
.
.
.
Vicente
.
.
.

09 março 2010

PRESENTE




Enquanto és linda:
eu me proponho a descansar
(em mim)
minhas cicatrizes:
pelos tantos deslizes
de vida
de fantasias
de vazias madrugadas frias
que me envolveram
em desoladas tentativas
de conquista.

já nos preparávamos para começar
amores possíveis
perguntas plausíveis
cansaços pós-balanços de lençóis de puro algodão
(que deveriam ser brancos).

e em nós despertos
memórias enredadas
em busca de casos que chegassem às comparações.

haveríamos de nos contentar
com novas e espantosas descobertas:
não havíamos ainda vivido o suficiente
para encararmos de vez a felicidade
(até aquele presente momento)
por isso nos buscávamos
às pressas descabidas
aos supetões desenfreados
às poesias amarelecidas
às indagações repartidas
aos cânticos e cantos
aos trancos e barrancos.
suposto reencontro humano?

.
.
Vicente
.
.
.

LAVAR CACHORRO É BOM



calei-me a boca
e não fiz qualquer favor
porque vivia a falar de sonhos
através de metáforas
um dentro do outro
o sonho dentro da metáfora
(e vice-versa)
em círculos
em ondas de círculos
dos menores até os imensos.

calei-me
porque não quis quedar-me ao óbvio
porque falava de desejos
de ter alguém
para amar
ser amado
compartilhar
coisas
e (até) contas
lavar cachorro aos domingos
(que eu sempre detestei)
e levar lixo lá embaixo
sem precisar justificar qualquer coisa
que não fizesse parte da beleza do amor.

calei-me
para perceber
que sonhos são sempre sonhos
pois são mutuamente excludentes
por melhores que sejam
por mais necessários
que possam parecer
porque minha maior loucura
era falar de sonhos
quando já não é época de se sonhar
mais.
.
.
.
Vicente
.
.
.

08 março 2010

ACALMA




Enquanto és linda:
eu me proponho a descansar
(em mim)
minhas cicatrizes:
pelos tantos deslizes
de vida
de fantasias
de vazias madrugadas frias
que me envolveram
em desoladas tentativas
de conquista.

já nos preparávamos para começar
amores possíveis
perguntas plausíveis
cansaços pós-balanços de lençóis de puro algodão
(que deveriam ser brancos).

e em nós despertos
memórias enredadas
em busca de casos que chegassem às comparações.

haveríamos de nos contentar
com novas e espantosas descobertas:
não havíamos ainda vivido o suficiente
para encararmos de vez a felicidade
(até aquele presente momento)
por isso nos buscávamos
às pressas descabidas
aos supetões desenfreados
às poesias amarelecidas
às indagações repartidas
aos cânticos e cantos
aos trancos e barrancos.
suposto reencontro humano?

.
.
Vicente
.
. Reescrito em 27/06/2014 - 22:15
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