28 abril 2022

CIDADE EM LIMIAR

 

Cidade em Limiar

Entre o claro e o escuro
a cidade suspira
num fôlego contido
entre a noite e o dia

as luzes hesitam,
os passos desaceleram
e tudo parece esperar
algo que ainda não veio

é um espaço invisível,
um limiar silencioso
onde o tempo se dobra
e o impossível se faz possível

a cidade em limiar
é ponte e margem,
é caminho e parada,
é sonho que desperta

ali, entre sombras e luz,
encontro pedaços meus
escondidos na espera
prontos para renascer

20 abril 2022

TAMBÉM VOU SER POETA

 

TAMBÉM VOU SER POETA 

também queria viajar,
ir e ficar
em pasárgada (sei lá).
e, pelo estatuto do poeta,
tenho direito a pagar meia passagem —
e o pagamento será feito em gramas de sonho.

rompendo as ânsias e lá chegando,
tenho direito ainda
a fixar residência
onde bem me aprouver,
desde que haja cachoeiras por perto
e libélulas gritem cantos
como cotovias,
e sabiás saibam seus ninhos nas palmeiras,
e que explodam girassóis
desde o mais tenro início de inverno,
que não poderá ser
nem muito frio
nem muito distante.

não quero que haja reis,
e sim princesas,
e rainhas brotem aos cachos
como pingo-de-ouro,
e se deixem ser amadas
por seus cavaleiros errantes
assim como eu.

e, quando eu voltar às realidades daqui,
quero ser reconhecido
pela minha eloquência embandeirada
e pela alcunha de:
“poeta, o audaz”.

19 abril 2022

LABIRINTO SEM MAPA

 

LABIRINTO SEM MAPA

não sei dizer quando começou
talvez numa tarde qualquer
quando a luz do quarto parecia errada
ou quando o silêncio das coisas
ficou mais alto que o meu fôlego

senti um não-sentir
uma vontade vaga
de sumir
mas deixando recados nos espelhos

tudo parecia um gesto inacabado
entre querer e não querer
entre ir e ficar
como se meu corpo vacilasse
numa fronteira invisível

nenhuma palavra era suficientemente funda
nenhuma ausência, suficientemente ruidosa
para explicar esse vácuo que
não cabe em poema

apenas sigo
com esse pressentimento
de estar sempre
numa espécie de labirinto sem mapa
onde até o erro parece familiar.