27 junho 2021

O VENTO DO NÃO-COISA

 O Vento na Não-Coisa

 

Há um sussurro que não tem boca,

uma cor que a retina não capta.

No avesso do tempo, um som sem fonte

desfia o fio que não existiu.

Sou o homem que vê o que não se mostra,

o que sente o peso do leve.

 

As palavras se desfazem na língua

antes de formarem sentido,

escorrem como areia por fendas

que não se abrem.

Há um mapa sem linhas,

um caminho que começa no fim

e termina no nunca.

 

Flutuam objetos sem nome

no espaço entre os pensamentos,

um cheiro de ausência,

o toque frio do imaterial.

E em cada pulso que não marca a hora,

mora o inexplicável,

a verdade nua do que não se compreende.

 

É a melodia de um silêncio infinito,

o reflexo de um rosto que não vejo,

o gosto da lembrança que nunca foi.

E eu, apenas eu,

observo a dança da não-coisa,

e nela, um sentido que me escapa,

mas que me habita por inteiro.

 

 

21 junho 2021

CALMARIA ENGANOSA

 Calmaria Enganosa

 

A superfície espelhada,

onde o sol se reflete,

engana os olhos,

com sua promessa de paz.

 

O vento sopra suave,

e as ondas, preguiçosas,

acariciam a margem,

num abraço morno e lento.

 

Mas sob a beleza calma,

um turbilhão se agita,

um monstro adormecido,

que espreita no abismo.

 

A força contida,

a fúria silenciosa,

esperam o momento,

de romper o véu.

 

 


19 junho 2021

NADA É SÓ O QUE PARECE

 

Nada é Só o Que Parece

 

A névoa se deita sobre a paisagem

e o que era chão vira nuvem,

o que era árvore, fantasma.

Meus olhos traem a certeza.

 

Cada sombra um desenho,

cada luz uma mentira velada,

e a mente, tecelã de enganos,

costura mundos

onde o sólido é fumaça,

e o espelho, um portal.

 

O reflexo não me devolve

o rosto que sei,

mas uma máscara fluida,

feita de perguntas.

Onde reside o verdadeiro,

se a pele do mundo

muda a cada piscar?

 

Busco a essência além do visível,

na fissura do pensamento,

na voz que sussurra

que toda solidez é um acordo frágil,

que o real se esconde

no avesso do óbvio.

 

E então, percebo:

a confusão não está fora,

mas na lente com que vejo.

Tudo é um jogo de ilusões,

e talvez, a única verdade,

seja a busca incessante

pelo que nunca, de fato, é.