01 junho 2020

DESCOBERTA CRUA

 Descoberta Crua

Eu estava ali, parado na soleira da porta, ou talvez fosse a beira de um precipício interno que eu só então percebia. O sol da tarde, um sol indiferente, pintava a poeira que dançava no ar. A voz de um vizinho, lá fora, repetia o nome de um cachorro. Era tudo tão... comum. E foi nessa normalidade quase ofensiva que a revelação veio, não como um grito, mas como um sussurro que se fez carne em mim.

 

Eu, que sempre me vi como uma fortaleza de raciocínios, uma máquina de certezas, o dono de um "eu" que se acreditava sólido e inquebrável, comecei a sentir as rachaduras. Não as rachaduras do concreto, mas as da alma. Uma pontada de estranha vulnerabilidade subia da sola dos meus pés, percorria minhas pernas, instalava-se no meu peito. Era um incômodo, sim, mas um incômodo que me chamava.

 

Foi quando me olhei no espelho, ou talvez no reflexo opaco da janela suja. E ali não estava o homem que eu planejava ser, o homem de gestos controlados e respostas prontas. Ali estava um rosto que não me pertencia por completo, mas que me habitava. E vi, na linha dos olhos, na curva dos lábios que não sorriam, a marca de algo que eu sempre renegara: a fragilidade.

 

Eu me sentia subitamente desprotegido, exposto. Minha lógica, antes tão afiada, parecia agora uma faca cega. As grandes questões que eu formulava com tanta precisão se esvaziavam diante da simples batida do meu próprio coração, que agora eu ouvia com uma clareza absurda. O corpo, essa prisão de carne, não era mais um mero recipiente, mas um universo de sensações que se impunham, exigindo a minha atenção, a minha completa, e até então ignorada, rendição.

 

E a epifania se deu na entrega: não era o "terreno" que me fazia humano, mas o "sentir". Não o "conhecer", mas o "ser atingido". E toda a minha construção de virilidade, de força, de inabalável razão, escorria pelos meus dedos como areia fina. E me deixava nu. E naquele momento, nu e desarmado, eu me descobri. Mais do que homem, mais do que qualquer definição. Eu me descobri, enfim, mais humano. E o sabor disso era estranho, um misto de pavor e uma doçura que jamais imaginei possuir.