02 dezembro 2019

PARECIA

Parecia uma flor primitiva
Mas ansiava descobertas.
Trazia em si um coração
Que habitava em olhos.
E olhava longe, estando perto.
E por estar perto podia ser tocada.

Se era flor haveria de ser domesticada
E habitava em cheiros
E destilava polens
Todas as noites em que lançava
Suas raízes e caules
E se percebia seiva
E se alastrava galhos.
Se estava perto havia a liberdade
De ir e vir,
De se fazer sorrir
De decorar gestos
De se fazer em protestos
De desmanchar atitudes errantes
De se perder em questões de amantes.

Se era flor
Por que esse espinho
A ferir,
Se não era rosa?

Vicente Siqueira...
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"Liberdade é uma possibilidade de ser melhor, enquanto que escravidão é a certeza de ser pior... "
( Albert Camus)
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11 outubro 2019

ROCHA INTOCADA

 

Rocha Intocada

 

Eu sou rocha que ninguém pisou.

Nem musgo, nem lodo,

nem a marca de um pé errante.

Nenhuma bandeira fincada,

nenhuma história escrita em mim.

 

Sou a dureza de um tempo

que não teve testemunhas.

A aspereza original,

o silêncio geológico

antes mesmo do eco.

 

Minha solitude não é falta,

é essência.

Uma integridade de pedra,

onde a erosão

é só o tempo que se olha.

 

E mesmo assim,

sinto em mim o peso da chuva que nunca caiu,

e a promessa de um sol

que me fará brilhar,

mesmo que para olhos

que nunca virão.

02 setembro 2019

PÁGINA EM BRANCO

 

Página em Branco

 

Não escrevi nenhuma história.

Minha vida é um livro

de páginas lisas,

intocadas.

 

Nenhum enredo de aventura,

nem drama, nem riso alto.

As canetas secaram,

as palavras calaram

antes de virar tinta.

 

Sou o começo que não explodiu,

o meio que não teceu,

o fim que nem chegou a ser ponto.

Um rascunho de alma

sem linhas para preencher.

 

Mas talvez na ausência,

na tela vazia,

esteja a minha verdade.

A quietude de quem vive

sem precisar contar.

Onde a história é só o sopro,

o ar que se respira,

e se dissipa sem deixar vestígios.

 

11 julho 2019

A ETERNA SEDE DO VIAJANTE

 A Eterna Sede do Viajante

(Espero que capture a amplitude e a perenidade da busca)


Desde o orvalho na folha do campo até a fumaça densa nos bares da madrugada. Pelos becos estreitos onde a sombra se esconde, nas avenidas largas que engolem o horizonte. Nas praias onde a onda desfaz e refaz promessas.

Em todas as casas de paredes finas ou fortes, nas cavernas que guardam segredos primevos, nas palhoças frágeis erguidas contra o vento.

Por todo o tempo que foi, pelo tempo que é, e pelo tempo que virá, existirão, como sempre existiram, os seres.

Com a sede inextinguível nos olhos, com as mãos estendidas no vazio ou na pressa, com o coração batendo no ritmo de um anseio. Em busca de algo cujo nome escapa, uma verdade talvez, um refúgio, um sentido. Ou em busca de alguém, um olhar que compreenda, um toque que acalme, uma presença que preencha o espaço vasto da solidão.

Essa busca é a respiração secreta do mundo dentro de mim, o murmúrio constante sob o ruído dos dias. Ela atravessa paisagens e épocas, veste diferentes roupagens, mas a essência é a mesma: o ser eterno a procurar, a esperar, a estender-se rumo a algo ou alguém.




09 julho 2019

MUDEZ INTERIOR

 

Mudez Interior

 

Minhas palavras não têm som.

Elas nascem e morrem

no avesso da garganta,

um grito mudo que só eu entendo.

 

Não há eco,

nem melodia.

Apenas o silêncio denso

do que não se diz,

do que se desintegra antes de tocar o ar.

 

São como ondas sem praia,

chuva que não atinge o chão,

um sussurro que se perde

no próprio abismo.

 

E talvez seja melhor assim.

Que elas habitem o não-dito,

esse espaço secreto

onde a verdade não precisa

de voz para existir.

 

01 julho 2019

SEM SINAL, MAS SEM ESTRESSE

 Sem sinal, mas sem estresse

 

 

O silêncio do chip, a tela escura,

Nenhuma barra, nada de frescura.

O mundo lá fora, um burburinho distante,

Aqui dentro, a paz, um instante constante.

 

Sem pings, sem likes, sem notificações,

A mente livre de mil tentações.

O ar puro entra, a brisa me toca,

A vida real, que a tela sufoca.

 

O passarinho canta, a flor se abre,

Detalhes que o online quase não sabe.

O livro na mão, a conversa sem pressa,

Sem sinal, sim, mas sem nenhum estresse.

 

Desconectar é preciso, é vital,

Para o coração, um sinal especial.

Ainda que o mundo corra em disparada,

A minha calma aqui não é alterada.

28 junho 2019

PÁGINA EM BRANCO

 

Página em Branco

 

Não escrevi nenhuma história.

Minha vida é um livro

de páginas lisas,

intocadas.

 

Nenhum enredo de aventura,

nem drama, nem riso alto.

As canetas secaram,

as palavras calaram

antes de virar tinta.

 

Sou o começo que não explodiu,

o meio que não teceu,

o fim que nem chegou a ser ponto.

Um rascunho de alma

sem linhas para preencher.

 

Mas talvez na ausência,

na tela vazia,

esteja a minha verdade.

A quietude de quem vive

sem precisar contar.

Onde a história é só o sopro,

o ar que se respira,

e se dissipa sem deixar vestígios.



 

23 maio 2019

RUAS EM SILÊNCIO

 

Ruas em Silêncio

Quando a cidade dorme
as ruas se fazem silêncio
um silêncio que fala
em vozes mansas e pausadas

não há pressa nem barulho
apenas o sussurro do vazio
e o eco das lembranças
que ficaram no asfalto

essas ruas silenciosas
guardam os segredos do dia
os passos que não ouvimos
e os sonhos que ainda vêm

é no silêncio da rua
que encontro a paz oculta
a promessa de um novo
amanhecer

12 maio 2019

INFLAÇÃO - MONSTRO VORAZ

Inflação - Monstro Voraz

O pão na prateleira

Olha pra mim

Com um preço que era de ontem

Mas hoje

É o dobro

Ou mais.

O carrinho do mercado

Encolhe.

As marcas preferidas

Viraram luxo.

A gente faz conta

No corredor

Com a calculadora do celular

E a esperança minguando.

O salário?

Ah, o salário...

Um papel que derrete

Nas mãos.

Compra menos,

Vale menos,

A cada dia que passa.

O futuro fica turvo.

Os planos,

Aqueles pequenos sonhos

De uma viagem,

De uma reforma,

De um conforto a mais,

Adormecem.

Ou fogem.

A gente aperta o cinto.

De novo.

E de novo.

Até sentir o osso.

O dinheiro que não dá

É a conversa da esquina,

Do almoço,

Do fim do dia.

Inflação alta.

Não é só um número

Na notícia.

É a vida que encolhe

No prato,

No bolso,

Na alma da gente.


MONSTRO VORAZ

(Soneto sem fim)

O preço sobe em rampa sem ter fim,

E o troco some, vira pó no ar,

O que era certo, hoje é incerto assim,

O quilo do queijo, triste de pagar.


A feira murcha antes de chegar em casa,

O sonho de ter algo vai morrendo,

A cada novo dia, a vida escassa,

O bolso chora, a gente vai sofrendo.


A conta chega cruel, sem ter piedade,

O plano de poupar, vira miragem,

E o futuro incerto, sem claridade,


A vida aperta em cada nova passagem.

Assim a inflação, monstro voraz,

Consome a esperança, rouba a paz.

09 maio 2019

CENSORED

 Censored

porque meus lábios prenunciaram
tanta batalha de ser contrário ao cérebro,
que insistia em afirmar:
não,
que o momento não se fazia preparado.
quedaram-se, então,
lábios e pensamentos
apressados em ânsias
de tanto se entregar
à procura dos arrepios,
dos movimentos desconexos,
dos prazeres da pele
— e do corpo mais profundo.
refeitos do susto causado
pelo encontro com o instante
de encantamento
e de louvor ao prazer,
quem passou a dar ordens
ao cérebro, antes tímido,
foram, a um só tempo,
lábios e mãos
que, despudorados,
não se permitiam censuras.

01 maio 2019

INSÔNIAS 

 

INSÔNIAS

Escancarou-se a boca da noite,
a engolir-me em seus
deprimentes silêncios,
estilhaçando cristais.

Seus tentáculos sustentados
em minha garganta,
tirando-me a calma
e a alma.

Lá, não-sei-onde,
o badalar de não-sei-quantas
horas a avisar-me
que se avizinhava a manhã,
doentia,
grávida de sol.

Não é o tempo que não passa,
são os cães que não ladram,
as corujas que não piam,
o aquário que não borbulha,
(e os scotchs que não são mais
os mesmos,
definitivamente não são).

A cama se faz imensa,

mas o abandono me reclama,
enquanto o buscar solitário
da saciedade
ainda se refestela em mim,
em gotas que,
cristalinas,
despencam do chuveiro
reparador.


02 janeiro 2019

PERDAS E DANOS


PERDAS E DANOS


Ali há o sofá.
a sala é de espera
e o médico não chega.

sentados.

e você me olha

nos olhos

e meus olhos não querem perder
o seu olhar.

você me pergunta
qualquer coisa.
ou não?
e eu não identifico a pergunta
e peço que repita.
então desvio-me das suas retinas
e espero uma boa conversa,
um papo amigo.

mas:

“perdeu alguém parecida comigo?”.
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Vicente Siqueira
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"Só os poetas podem condensar a experiência humana, e isso não passa pelo intelectual.
(Fayga Ostrower)