03 julho 2007

FLAGRADOS

não podia estar lá
quando queria estar aqui
nesse jogo de abraços
que anseia pernas tocadas
no risco de sermos descobertos.

não ousara dizer não ao momento
ao encantamento
ao toque de Midas
que transforma
o cinza da frente fria
em dourado
de calor generoso.

são bocas sabendo a graça
de se esconderem
uma na outra
uma pra outra
na exploração
que não conhece fadiga
e não suporta a tirania
dos ponteiros
dos relógios.

por isso o escorregão
no atraso
que denunciou os cheiros
e as perguntas
sem respostas
sem explicações.
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Vicente
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.
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"... Todo poeta é aprendiz de si mesmo, em busca de uma pegada íntima, e escreve para oxigenar a alma. Afinal, são todos sementes, e sabem que precisam ser flores e frutos, para recriarem, para sempre, a eterna primavera cósmica..."
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Silas Corrêa Leite -
Excerto do seu poema "Estatuto do Poeta", que você pode ler na íntegra na página da Casa da Cultura. (Esse trecho faz parte do Artigo Décimo-Sexto).
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01 julho 2007

RECOMEÇA A SEMANA

(Tributo a Marilu)

Começava a semana onde terminava a outra
Que não podia ser de esquecimento
Mas havia lágrimas. Às vezes, havia.
Eu me movia e todos nos movíamos
Com movimentos decisivos
Porque nos movíamos, os dois,
Como pedras de xadrez.
Mas não éramos só as pedras do tabuleiro,
Mas também, o próprio tabuleiro
Com suas casas brancas, suas casas pretas, seus peões, seus cavalos.
E nem era preciso que eu me escondesse.
Mas eu me escondia.

Eu me escondia atrás das torres para seqüestrar a dama com fins escusos:
Com o fim de ir apreciar os nasceres de sóis, com ou sem praias e areias.
A dama deixava-se mostrar toda nua por entre as alamedas do castelo
E nem nos preocupávamos com os pores do Sol.
Porque sabíamos que logo após os fins das semanas.
Outras semanas viriam e
Iniciaríamos O jogo.
O jogo consistia em desmanchar as minhas grades.
As grades de que um homem é feito.

Era tudo muito jovem e ainda éramos todos muito jovens.
Eu me admirava com a serenidade que emanava da beleza dela
Era começo de abril , se bem me lembro,
Quando se fizera o conhecimento das verdades
Que a vida me mostraria.
As flores de maio já explodiam em profusão de cores
O homem sequer sonhara em desembarcar na Lua.
Naqueles tempos eu ainda aguardava a chegada dos doze anos.
Uma dúzia de aniversários e meia dúzia de sonhos.
E tinha na professorinha recém-chegada aos dezenove
O meu melhor presente.
Não se cogitava em futuro.
As coisas aconteciam no agora
A vida urgia no presente.
Naquele presente.






A vida na roça tem a vantagem das escondidas por entre os emaranhados
Do canavial, do milho verde, do laranjal.
O açude não era propriamente perto,
E em seu caminho sempre se encontra uma curva a mais,
Uma moita a mais, uma vontade a mais..
Eu me embriagava com a sua vontade de me mostrar os caminhos.
Seis ou sete anos mais velha, mas ainda assim jovem.
A terra vibrava por sob nossos corpos
E não havia meios de nos fazer parar

Não se percebe, ainda, a presença da virilidade
E a infância ainda se arrisca nos estilingues
E bolinhas de gude.
Mas o pensamento é de homem feito
O pensamento é de quem já tem cabelo no peito
Calor no beijo e amor com jeito.
Começa a semana e sente-se a vontade
De verter-lhe nos lábios o olhar
Um olhar na boca entreaberta perfeita
Nas pernas lisas e claras de menina rica
E a perfeita sincronia das virilhas e do umbigo.

Sincronia, também, entre dentes e língua.
Bocas que se procuram em toques esbaforidos
Braços com medo das amplidões e dos descampados
Começo dos vôos em territórios inexplorados
Beijos e pescoços e seios e nucas.
Cabelos de ouro escorrendo pela aura, pelos ombros
Pela grama.

E a vontade
De adivinhar-lhe a alfazema
Recendida debaixo do diáfano vestido de algodãozinho?
Sem maiores detalhes a não ser o seu próprio corpo tão detalhado.
Aí as cores enfeitavam os céus,
O açude era mais refrescante e os frutos sazonados
Eram mais abundantes.
E quando a semana já se sentia tão catastroficamente confusa,
A ponto de perceber-se que todo sábado ela precisava voltar para
A casa dos pais?
Todos os eixos saíam de seus encaixes e era como se de repente
Se morresse por dois ou três dias.
Morria-se.
Milhares de mortes.
Sem que ninguém à volta entendesse.
Até que outra semana começasse.

E as estações se sucediam.
Novos ventos e posições, pelos medos
E pelas imposições da situação que chega
Com a chegança da puberdade.
Ainda segredo, como sempre.
Nada de mistério, mas segredo guardado a ferro
E cadeado.
Aos dezesseis a mudança, a ida, a partida,
A alma ferida
Até o ponto do choro e lágrimas mais sentidas
Por dias e dias.
A cabeça completamente perdida.

Centenas de vezes imortalizada na carne
E no pensamento,
No coração e
No fogo das paixões mais desejadas.
Alguma incursão esporádica com a chegada
Do quartel e da farda,
Mas nada que pudesse desmanchar
O matrimônio que viria perfeito,
Feito de inteligência, repressões e conveniência.

Estou me despedindo de você, “Maria”.
Onde quer que você chegue
Deus há de lhe fazer companhia.
Vá, chegue primeiro, novamente.
Busque mais além o lânguido bafejar da satisfação
Por ter-nos feito interpretados e entendidos
E creia: onde quer que você chegar
A semana haverá de recomeçar.


29-04-06